segunda-feira, agosto 10, 2015

Uma espécie de despedida

"Dou um passo atrás e espero. O teu silêncio confirma aquilo que o meu instinto me gritou e que decidi ignorar"

Passou por mim, e porque me apeteceu, fui atrás. Quando uma parte de mim estava amarrada aos silêncios alheios, o meu corpo decidiu que era a escolha ideal.

"Digo alguma coisa na esperança de uma resposta, e embora ela tarde em chegar, as lágrimas recusam-se a cair."

Tomou-me o corpo de assalto e eu deixei. O risco tornou-se o combustível que o controlava e foi ele o escudo que me despreocupou dos olhares indiscretos.

"Quase consegui chorar, mas o meu outro lado atravessou-se no caminho e por isso solto uma gargalhada sonora."

Deixei que as suas mãos me explorassem o corpo e fi-lo sentir como se assim me conhecesses. A cada gemido fortaleci-lhe o ego e cada beijo incentivei mais um passo.

"Dou mais um golo no rubi que me enche o copo, mais uma gargalhada sentida e afasto-te lentamente das ideias..."

Mudamos de cenário, já não cheiro o rio nas minhas costas, já não sinto o fresco da noite a contrastar com o ardor da nossa pele. Os ruídos foram abafados e nós parecemos não dar por isso.

"As conversas fluem entre amigas, do sério aos disparates vamos resvalando nas horas como se nada mais existisse."

As minhas costas batem no puxador de uma porta e o joelho dele atira-se contra a parede. Por entre a sofreguidão a porta abriu-se pelas mãos de ambos e os nossos corpos tombaram para o interior de uma casa que dificilmente consigo retratar.

"Esvaziamos garrafas como se fossem de água e o tema vai-se tornando cada vez mais aquele que procuro evitar."
Entreguei-me à sua vontade sem resistir, sem fingir resistir e provoquei-o por entre risos e dentadas para que me levasse sem questionar nada...

"Elas tocam na ferida e delicadamente desvio o assunto. Queria contar sem ter de abrir a boca. Quero compreensão ou um eventual conselho mas não quero ter de explicar..."

Sinto o seu respirar pelas minhas costas abaixo. A barba mal feita arrepia-me e os beijos elevam de novo a temperatura da minha pele.

"O assunto morre por mais alguns minutos, as atenções desviam-se para outra pessoa e eu aproveito para confirmar que o teu silêncio se mantém."

As suas mãos magoam-me os braços e enquanto lhe marco o pescoço apercebo-me que não sei o seu nome...

"Calo-me, prefiro calar-me e organizar os meus pensamentos, o assunto vai voltar e eu tenho de saber o que vos dizer."

A noite escorre por entre os nossos corpos suados. Há muito que deixei de saber que dia é hoje e que me deixei levar pelos impulsos. Uma boca curiosa explora-me num silêncio que eu quebro em incoerências ocasionais.

"Finalmente decido responder. A verdade, ou o que me deixarem dizer da verdade... mais um golo de coragem e mais uma nuvem deixada por um cigarro mal aceso."

Fui escrava e meretriz, fui a sua rainha e passei-me por donzela nos quatro cantos do seu mundo. Fui amante insaciável e deixei-o adormecer ao meu lado. Fui fantasia silenciosa enquanto saí de mansinho, já o sol espreitava bem acima das telhas.

"Contei-vos sobre os dois lados que me consomem. Expliquei, o melhor que sabia, o quão dilacerados estavam os meus sonhos de nós. Contei ao detalhe sobre as saudades que sinto de me rir contigo, falei por tempos infindos acerca das ideias que trocámos, sobre a antecipação, as promessas veladas e todas as vontades que nos uniram por tão breves momentos..."

Antes de seguir para casa, parei para tomar o pequeno almoço. Não tinho fome mas o corpo fraquejante indicava-me que eram horas.

"No fim surge a pergunta crucial, respiro fundo... não, ontem não fui ter contigo. O teu silêncio empurrou-me para os braços de um desconhecido, mas nem disso te posso culpar"

Não, não fui ter com ele. Não, não sei o nome do outro. Não, não gravei nenhum número dele nem lhe dei o meu.

"De repente o outro lado veio ao de cima. Porque por um momento não quis saber de nada, e alguém serviu de escape para tudo o que eu não te soube dizer."

Fiz de alguém a imagem do que poderia ter sido contigo. Deixei-o levar-me com a confiança que teria sido tua e fantasiei contigo.

"Foi uma espécie de despedida silenciosa que projectei no corpo de outro qualquer. E hoje, tu és mais um contacto mudo numa lista e o outro é o êxtase sofrido nas horas da mais sóbria loucura que me acompanhará por muito tempo."