(Drops, 09/2005)
Imagina voltar a casa, após uma ausência… qualquer ausência. Antes mesmo de meteres a chave na porta já sentes o conforto da tua rotina, dos teus hábitos. O teu canto, a companhia dos que te são mais chegados, aquele abraço de boas vindas. O tagarelar sobre a viagem, descalçar os sapatos e calçar os chinelos que ficaram esquecidos no cantinho do quarto. Sentar no sofá da sala e ouvir os ruídos tão familiares…
Agora imagina não sentires saudades disso… consegues? ou então, sentires a falta disso, porque são essas coisas que te fazem pertencer a algum lugar, mas não as teres. Por força das circunstâncias o abraço é forçado e seco de carinhos. Não há tagarelar nenhum, só um silêncio castrador e olhares recriminatórios. Os chinelos estão frios, e nada te faz sentir confortável ali.
Nesse dia descobres que não estás na tua casa. Estás na casa de alguém, e sentes-te um intruso. Imagina estares fora, longe dessa casa e de tudo o que conheces, imagina que adoras estar lá, mesmo longe dos amigos, e da língua que conheces. Imagina o desconhecido, imagina tudo isso aliado àquela casa que não te espera…
Imaginas?
Eu não imagino. Não quero sentir isso, mas sinto. Sinto que algumas amarras se soltaram. Terei sido eu a corta-las? Alguém as cortou? O nó soltou-se? Não sei… sei que não tenho saudades… nem um abraço que me espere. Sei que estou triste, porque podia dar um passo para mudar isso, mas que tenho medo que não resulte.
Sinto-me só.
Pisei uma areia molhada, e deixei que as ondas se enrolassem nos meus pés. Deixei-me abraçar pelo sol que descia devagar pelas montanhas. Tive vontade de mergulhar e nadar até estar demasiado cansada para regressar.
Mas seria acusada de cobardia. Não, não sou cobarde. Ergo a cabeça, olho em frente. Sorrio e finjo que estou bem. Brinco, e rio-me. Censuro-me pela minha hipocrisia. Repugna-me este fingimento.
Não quero voltar, e por isso deixo que uma lágrima escorra tímida…
?
Está tudo bem… estou só cansada. E deito-me numa cama que não é a minha, nem a tua, mas que me acolhe e abraça como mais ninguém ousa fazer. E choro tudo, fingindo que durmo. Choro aquelas dores enterradas há tanto tempo… choro sozinha, sempre sozinha.
Mas sou eu que sou piegas. Fui eu que errei, as consequências são legítimas. As rejeições são válidas, as acusações certas. Porque a culpa é minha… sempre. (e também fui eu que abri um buraco na camada do ozono, fui lá com uma tesoura e rasguei-o o mais que pude.)
Choro mais um pouco. “Mariquinhas pé de salsa…”. Falta-me carinho… nada mais. Carinho puro e simples. Mas a culpa é minha não é?
NÃO É?
Eu é que sou arisca, e me afasto, e fujo…pois (também fui eu que causei a extinção dos dinossauros.)
Imagina-te só. Gente e mais gente ao pé. Alguns chamam por ti, e sorriem-te. Alguns alvitram que gostam muito de ti. Amigos, amigas, conhecidos… familiares. Todos de amam muito… todos! Mas nenhum deles te dá um afago quando estás triste. Um beijo de bons dias. Um abraço de saudades…
A culpa é minha.
Imagina… saudável, inteligente, forte, jovem. Com tanta gente que me ama tanto. Quero carinho para quê? Queixo-me de quê? Desejo tanto não ter nascido porque carga de água?
Oh mundo… doce mundo. A culpa é minha, sabias?
E o único erro que cometi foi nascer, tudo o resto é só uma consequência disso.
Desculpa-me mundo… desculpa.
11/09/2005