terça-feira, junho 03, 2008

Contos de fadas

Acordada pelos pássaros azuis que poisaram na minha janela esta manhã.
Debaixo de mim o lençol respirava pausadamente, sem se aperceber do tumulto que se passava ali ao lado. Encostei-me mais ao cobertor estremunhado e perguntei-lhe as horas, ao que entre dentes me respondeu “é cedo…”.
Levanto-me sem fazer barulho e sento-me na cozinha. O dia só agora começa a despontar por cima dos prédios preguiçosos, que nunca se deviam para eu ver as montanhas geladas.
Encho-me de coragem e ponho-me a trabalhar, mas as folhas parecem desviar-se do caminho das minhas mãos. O telefone continua calado, as horas vão pingando taciturnas pela torneira mal fechada. Falta pouco, e no entanto parece uma eternidade, os momentos correm, distraídos pelas minhas veias envenenadas, o café fumegante preenche o ar sem pedir licença, acostumado a este ritual diário.
Uma vez mais sei que estás aí, que me observas de longe, do alto da tua imaginação, adivinhas cada movimento, calculas cada sopro de respiração forçada, marcas o compasso de cada batida do meu coração sem nunca te mostrares. Imaginas os arrepios da minha pele e regozijas-te quando lês os meus pensamentos.
Olho pela janela mas não te vejo, sei que estás aí, mas não à vista. Fecho a janela e sem fazer ruído volto à cama adormecida. Viro-me de um lado para o outro mas a almofada ressona, não me deixando dormir.
Volto à sala gelada, e ponho um filme lamechas. Choro sem saber porquê e acabo por me deixar adormecer ali mesmo, num sofá apertado e desconfortável.
Ele não gosta de mim, desde que lhe derramei café em cima, nem a palavra me dirige, é o castigo que me dá, pelo desajeito crónico que me ataca todas as manhãs.
Pouco me importa, não é com ele que eu quero falar, queria ouvir a tua voz, nem sei o que tinha para te dizer, mas a tua atenção ia ser um prémio merecido, pela minha paciência de te esperar há tanto tempo.
Já gastei a saliva, e todas as minhas palavras fazem tanto sentido como aquela música que falava de príncipes e de montanhas de puré.
Somos parvos, eu e tu. Evitamos o que já por si é impossível, como se fosse esse o único propósito de estarmos aqui, nunca vamos falar, esse conto de fadas que estás a construir à volta dessa princesa que nunca viste, vai-se desfazer em fumo, e vais acabar casado com alguém que há de te amar como eu nunca seria capaz.
Vais sentir esse vazio para o resto da vida, mas nunca vais saber porquê. Um dia deixas de sonhar comigo, e eu hei-de voltar a controlar a minha respiração, seguir os dias como antes, na busca de algo que nunca chega, neste vivência pacífica de dias sempre diferentes, nestes desastres que acabam por me levar à solidão. Agarro-me como posso, a tudo o que é, deixo o passado escapar-me da vista e construo novos sonhos, novas memórias, novas amizades.
Mas sinto a tua presença, mesmo sabendo que não estás aqui, saudades da tua voz, que nem sei a que soa, necessidade do teu abraço, que nem sei bem se existe.
Durmo nos braços do sofá e os sonhos cessam de repente, deixam um grande vazio, terminado pelo sol que me queima as faces e me chama de volta para a realidade.



A esse alguém, que um dia há de vir...

2 comentários:

Anónimo disse...

Li o blog Dropinhos de fio a pavio.
Se gostei ? Muito. O que vai na alma da "gente " em várias fases da vida de todos nós, transparece, sem grande dificuldade em todas as linhas e entrelinhas dos textos escritos.
Sei quem és, por tudo o que escreves e pelas fases em que foram escritas.
Tens uma excelente escrita e , acho que deves continuar a escrever.
Não esqueças nunca, que, muitas vezes amar não é preciso ser cantado ou dizer "amo-te ".
O amar está em tudo o que se faz e muitas vezes nem é notado.
Às vezes amar também é bater o pé e negar periodicamente esse amor.
Amar´é, muitas vezes olhar-te no siliêncio e sentir a tua dor, mas não interferir nela, pois a dor da alma no ser humano é como um veneno que tem que ser expurgado e limpo, para não infectar a parte boa que todos temos.
è muitas vezes no silêncio e mesmo na distância, que te afago e te embalo como criança que ainda sinto que és.
Escreve; deita para fora todos os sentires de alma que tenhas; mostra o quão humana e boa sempre foste e serás.
Trilha sempre o teu caminho por cima de nuvens, diamantes algodão e até de escolhos, mas não mudes a tua essência.
ès algo de muito precioso para muitas pessoas, mas.... em especial para mim que te amo sem condicionantes e sem imposições e te amarei para além dos tempos e da eternidade.

Meu nome ? _ Crepusculo "

Drops disse...

...
Sempre ouvi dizer que a curiosidade matou um animal peludo e de 4 patas (gato, rato... enfim!), mas não resisto a ficar curiosa. =)

Obrigada por leres, e estares lá, seja de que forma for, por maior que seja a dor, ou a solidão, e por mais que o desespero esteja expresso nas minhas palavras, sei sempre que há uma ede de segurança, talvez até mais que uma, existem (e ainda bem que existem) pessoas com quem discuto e me zango, mas que amo além de qualquer adjectivo que eu pudesse escolher.
É reconfortante saber que alguém ainda acredita no bom das pessoas, no meu também, na pureza de uma essência que tantas vezes me faz duidar, que me leva a questionar-me e a deixar-me tantas vezes sem rumo aparente.

=) Amar são palavras como as tuas, que chegam num dia aparentemente igual aos outros, e nos aquecem aquele cantinho da alma. Amar são gestos que quase passam despercebidos no meio dos ruídos do dia-a-dia.

curiosidade... Querer saber, mas com medo de descobrir a resposta.

Um beijo
Drops