quarta-feira, maio 25, 2005

O espantalho e o beija-flor

Sinto-me como um espantalho, ou espantalha se isso existe… feia, sozinha, isolada no meio do nada com o peito exposto ao vento, à espera que tu apareças novamente na pele de um beija-flor irrequieto, sempre cheio de pressa, que me mimes novamente, com os teus gestos doces, suaves. E tu lá apareces, mas mal eu dou sinais de que estou viva, despertada pelo bater impaciente das tuas asas, tu foges apressado como se eu fosse um monstro aterrorizante, e apenas tivesses parado ali para me veres bem de perto.
Sinto-me assim por tua causa, hoje a culpa é tua. As minhas palavras, outrora apaixonadas e meigas, são hoje desesperadas, frias… sós. Cada uma delas foge-me por entre os dedos e isola-se hirta, estática no seu cantinho da folha de papel.
Estúpido sentimento que me faz ficar estúpida, tão estúpida que estou a deixar que este sentimento acabe com a nossa amizade, ainda demasiado imatura para sobreviver a tal tempestade de estupidez.
E por breves momentos as palavras agitam-se inseguras nos seus lugares, porque nada mais faz sentido, estão dispersas nesta folha de papel, mas estão tão confusas como eu, procuram umas nas outras a razão da incoerência…
E a espantalha continua lá, quase que a vejo, e ela sou eu, desperta pelas asas do beija-flor, demasiado cansada para dormir, com a face encharcada de lágrimas salgadas, tão salgadas que rasgam sulcos profundos na pele áspera curtida pelo vento, pelo tempo, pela espera… observa o beija-flor, e o beija-flor és tu, lá longe, a acariciar as flores belas e suaves, a amá-las, a ouvi-las, a contar-lhes a história de como escapou ao horrendo espantalho, que afinal era espantalha, e que sozinha morreu, por não ter nascido flor.
E nada disto faz sentido senão para mim, já comigo, mas eternamente sem ti.

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